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Friedman costumava dizer que o colapso da URSS em particular e do bloco comunista em geral fez mais que qualquer livro seu para desiludir os adeptos da economia planificada. O fato é que, apesar de hoje a economia coletivista não merecer crédito de ninguém (à exceção de Fidel Castro, Hugo Chávez e uns outros tantos luminares da inteligência mundial), a intervenção estatal na economia dos EUA ainda chega a quase 40% (contra uns 15% antes da WWII) do PIB. Como dizia o próprio Friedman, a batalha intelectual pode até ter sido ganha, mas, na prática, o paternalismo estatal ainda é uma realidade com poucas chances de ser transformada.
O livro parte do pressuposto da escola austríaca de economia (principalmente Hayek, que é citado com frequência), repetido aqui no Brasil por Roberto Campos, de que não pode haver liberdade política sem liberdade econômica. O caminho inverso, liberdade econômica sem liberdade política, é até possível (dá-nos exemplo disso a China), apesar de que a influência da primeira tende a forçar a segunda.
É nesse sentido que Friedman vê com muita desconfiança qualquer intervenção do governo na economia. Num balanço de vantagens e desvantagens da atuação estatal num determinado setor, a primeira desvantagem, anterior a qualquer consideração mais específica, é a tendência que a concentração de poder tem de limitar a liberdade individual. Ele subscrevia e repetia com entusiasmo o saying de Lord Acton que vai ao lado, Power tends to corrupt and absolute power corrupts absolutely. A limitação à liberdade individual não se restringe, porém, ao plano econômico, apesar de ser essa a consequência mais visível e imediata. Quando o governo determina que, digamos, o trigo só pode ser vendido a determinado preço, costuma-se considerar apenas a exclusão da possibilidade que as partes interessadas tinham de negociar o trigo a um preço que lhes fosse conveniente. Ocorre que o recrudescimento do poder estatal é cumulativo e ganha impulso com novas conquistas, além de ser de difícil reversão: basta ver a resistência que figuras adeptas do laissez-faire, como Reagan, tiveram de enfrentar para diminuir minimamente a presença estatal na economia.
Tudo o que vai acima, mesmo que muitas vezes ignorado na prática, é hoje considerado o óbvio ululante no meio acadêmico. Dados o conhecimento empírico e a perspectiva histórica hoje disponíveis, nem adolescentes têm como justificar o desconhecimento da impraticabilidade da economia planificada. Mas Friedman defende a retirada da presença estatal mesmo em situações que muitos liberais a considerariam natural, como na regulamentação de diferentes profissões (até a do médico!) e no controle das drogas.
Desde já antecipo que, mesmo como admirador, não vejo muito sentido em aceitar sem maiores cuidados a visão que Friedman tinha a respeito de questões não integralmente ligadas à economia. Digo isso porque essa costuma ser a postura diante de um ancião de 94 anos que já acertou tanto. Em 2002, na cerimônia em que Friedman recebeu a Medal of Freedom, o presidente Bush -- brincando, é claro -- observou que Rose é a única pessoa que sabemos ter ganhado uma discussão com seu marido.
Sem dúvida que há argumentos econômicos favoráveis à legalização das drogas (o principal deles é a dificuldade básica que os governos de hoje e sempre têm de fazer valer as leis), mas a questão envolve fatores morais e culturais que ultrapassam o escopo meramente econômico. Quando confrontado com duas situações que se lhe afiguram economicamente equivalentes, Friedman opta de imediato por aquela que não envolva a presença estatal. Trata-se da inegavelmente necessária política do mal menor. A intenção, nesse como em qualquer outro caso, é sem dúvida boa, mas corre o risco de enveredar pelo extremo oposto do caminho que ele mesmo denunciou em 62:
A outra ameaça é bem mais sutil. É a ameaça interna vinda de homens de boas intenções e de boa vontade que nos desejam reformar. Impacientes com a lentidão da persuasão e do exemplo para levar às grandes reformas sociais que imaginam, estão ansiosos para usar o poder do Estado a fim de alcançar seus fins e confiantes em sua capacidade de fazê-lo. Entretanto, se subirem ao poder, não conseguirão realizar seus fins imediatos e, além disso, produzirão um estado coletivo diante do qual recuarão horrorizados e do qual serão as primeiras vítimas. A concentração do poder não é tornada inofensiva pelas boas intenções de quem a estabelece.
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