Everyone has warned me not to tell you what I am going to tell you in this last book. They all say 'the ordinary reader does not want Theology; give him plain practical religion'. I have rejected their advice. I do not think the ordinary reader is such a fool. Theology means 'the science of God', and I think any man who wants to think about God at all would like to have the clearest and most accurate ideas about Him which are available. You are not children: why should you be treated like children?É assim que C. S. Lewis começa o quarto e último livro do Mere Christianity, uma das mais populares introduções ao cristianismo de que se tem notícia. É fato que a última parte do livro vai além da 'plain pratical religion', mas só nesse sentido pode-se dizer que o leitor não é tratado como criança. A maneira como alguns pontos mais espinhosos da doutrina cristã são explicados apela, muitas vezes, ao infantil. A coisa é que se me dissessem que não poderia ser de outra forma eu seria forçado a concordar.
O comentador da Bíblia ou da doutrina cristã em geral enfrenta uma tarefa já em si impossível: reescrever, de maneira a tornar mais compreensível, algo que foi escrito com a melhor terminologia possível. Se a Bíblia é a própria palavra divina, certamente os termos que lá se encontram para descrever uma relação entre entes (por exemplo, Pai, Filho e Espírito Santo) são melhores que quaisquer termos que eu ou você possamos imaginar. Se acontece de essa relação permanecer obscura, outros artifícios (que por definição não são os melhores) devem ser utilizados.
Nesse processo o comentador cristão acaba cedendo ao gosto da época (C. S. Lewis faz isso ao chamar o ser humano de 'human machine' repetidas vezes) ou, com menos frequência, descobrindo alternativas geniais. Outras vezes o artifício é simplesmente pueril, como comparar a diferença entre Jesus e o homens com a diferença entre o homem e soldados de chumbo. Malabarismos assim, o próprio Lewis reconhece, servem para que a terminologia original seja melhor compreendida, nunca substituída. São muletas que, graças a nossa inteligência, não precisam ser reutilizadas.
Os símiles de Lewis funcionam muito bem no capítulo sobre a santíssima trindade. Mesmo os cristãos mais esforçados confessam sentir dificuldades para entender o que seria uma divindade que é, 'ao mesmo tempo', pai, filho e espírito santo. Em primeiro lugar é preciso lembrar que nem tudo é necessariamente compreensível: a noção de mistério nunca foi estranha ao cristão. Fazendo um paralelo com a geometria, porém, a coisa parece ficar menos cabeluda. Dois vetores linearmente independentes x e y geram um plano e qualquer outro vetor nesse plano pode ser escrito como combinação linear de x e y. Aos seres que habitam esse plano (isto é, os vetores do plano xy) a noção de profundidade é desconhecida: nem os vetores mais espertos seriam capazes de imaginar o que seria isso. Nós conseguimos imaginar um espaço tridimensional, mas não um quadridimensional, apesar de espaços multidimensionais serem matematicamente manipuláveis. Da mesma maneira, Deus seria um ente 'tridimensional': manipulável (no sentido que podemos falar sobre) teoricamente, mas fora do alcance de nossa imaginação. Deus é um cubo e nós somos as arestas.
Outra questão que gera muita dúvida é o porquê de a Fé ser, por si só, uma virtude. Não só é uma virtude como é uma das três virtudes teologais, juntamente com esperança e amor. A objeção mais comum é a de que acreditar em algo logicamente comprovável não passa de nossa obrigação, assim como é obrigação do estudante de cálculo 'acreditar' no Teorema do Valor Médio após ver sua demonstração. O sujeito que lê o argumento do primeiro motor e sai acreditando num ente que é só potência não necessariamente tem fé; a princípio ele é apenas um bom aluno de lógica. É muito comum, porém, deixarmos de acreditar em algo de que estamos perfeitamente convencidos do ponto de vista lógico: das pessoas que sentem medo de viajar de avião, arrisco dizer que a maioria sabe que esse meio de transporte é mais seguro que o carro. Eles não duvidam das estatísticas, apenas têm medo. Há cristãos que deixam de ser cristãos não por verem uma falha lógica na doutrina, mas porque perdem o interesse.
Finalmente, acho que vale mencionar a objeção, já bem batida, segundo a qual em verdade o livre-arbítrio não existe porque, se Deus sabe exatamente o que vou fazer amanhã ou em qualquer futuro mais afastado, não tenho liberdade para fazer diferente. Como resposta eu costumava dizer que, dada a nossa linha do tempo, Deus está fora dela: para ele não existe passado ou futuro. Lewis sugere um jeito melhor, ou, se quiserem, mais didático: Deus seria a folha de papel em que a linha está desenhada. Assim sendo, Deus não prevê, ele vê, mas vê o futuro e o passado assim como nós vemos o presente. Dito dessa maneira, nós, as crianças, entendemos.
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