Existem várias coisas que eu gostaria de melhorar em minha vida e que, se fossem jogadas contra mim num juízo final hipotético, o máximo que eu poderia fazer seria baixar a cabeça e resignar-me às agruras penitenciais. Curiosamente, comer carne não é uma delas, e acho cada vez mais difícil encontrar um argumento de ordem ética que me faça mudar de idéia. Trata-se de uma daquelas felizes ocasiões em que interesse pessoal e consciência limpa andam de mãos dadas.
Nesse sentido, é reconfortante ler artigos de vegetarianos inteligentes como o de Taylor Clark da Slate: Vegetarian myths, debunked. O título do artigo, porém, não faz o menor sentido. Antes pelo contrário, Clark mostra que os 'mitos' não são mitos, que eles existem mesmo, mas que não se aplicam a ele em específico. Clark não perderia tempo dizendo que gosta de bacon ou que não revira os olhos ao avistar um prato de carne se isso não fosse de alguma maneira notável. Acho inclusive que a maioria dos vegetarianos pensa como ele. Mas, convenhamos: daqueles que não pensam assim, quantos são vegetarianos? Alguém já viu um não-vegetariano dizendo que um hambúrguer de carne é nojento?
A verdade é que nós fazemos parte de vários pequenos grupos e é impossível responder por todos os nossos colegas. Imaginem se eu tivesse de justificar toda besteira cometida por um cristão, cearense, estudante de engenharia ou ouvinte de rock! Infelizmente, muitas vezes ocorre (e muitas vezes não é fácil evitá-lo) de você cair num grupo em que a idiotia predomina ou pelo menos tem voz forte. A idiotia pode até não predominar entre vegetarianos, mas o 'discurso' oficial do vegetarianismo é idiota. E esse discurso, nem adianta espernear, não foi construído por carnívoros implicantes; ele vem de dentro.
A parte do artigo de Clark que mais reflete essa idiotia é aquela em que ele diz estranhar a desfaçatez dos que comem carne suína e ainda assim paparicam seus bichos de estimação. Haveria aí uma incompatibilidade inarredável, uma hipocrisia típica dos que não pararam 5 minutos pra pensar no que fazem. Essa idéia parte de um sentimento louvável: o de benevolência. Também acho que os animais devem ser tratados com benevolência. Aliás, é o mesmo que Platão dizia, com a diferença de que ele incluía escravos entre os animais. A divergência começa precisamente aqui: eu acredito que seja possível comer carne (ou até caçar) sem deixar de ser benevolente com os animais; Stanley Clark vê uma dose de crueldade em cada McLanche Feliz, ainda que seja uma crueldade diluída em displicência.
O argumento pela belevolência com animais não é bem de ordem ética: como poderíamos falar em ética em relação a seres que não fazem idéia do que isso seja, que, mais, não fazem idéia nenhuma? Nesse momento algum ativista lembra que tirar proveito dos animais é duplamente cruel exatamente por isso. Se estendemos essa lógica às plantas, mais indefesas ainda, ouvimos que as plantas não sentem dor. Se perguntamos se não haveria problema em matar um porco anestesiado, ouvimos que os animais são diferentes das plantas. Ora, isso é bem verdade! Então por que não reconhecer que animais (irracionais) e seres humanos são diferentes também?
Não acho que seja necessário falar em cristianismo (alma, inteligência divina etc.) pra que essa diferença fique bem clara. O fato é que o porco tem uma existência meramente instintiva: ele não pretende emagrecer pra conquistar uma porquinha no chiqueiro vizinho, ele não faz planos que não estejam direcionados à satisfação de uma necessidade imediata. A existência de um porco está inteiramente projetada sobre o agora, é como um ponto sobre a linha dos tempos. Um acidente ou uma morte repentina não vai nem pode frustrar nada porque não havia nada pra ser frustrado; o sofrimento de seus companheiros é também instintivo e nem sequer existiria se fosse de alguma maneira prejudicial à espécie.
A maneira com que os ativistas à Peter Singer falam guarda uma similitude meio sinistra com a tal heartlessness of ideas: estima-se o conceito de humanidade em vez de se estimar o homem concreto; estima-se a comunidade animal em vez de se estimar animais específicos. É claro que Clark está a anos-luz de distância de um Singer, mas é esse raciocínio que o faz estranhar eu gostar de animais e ainda assim não ver problemas em comer carne. O pressuposto é o de que, por ambos pertencerem à comunidade animal, ambos merecem a mesma atenção. Ora, a atenção que qualquer animal merece é, pelo menos, a mínima necessária para que não sofra inutilmente. O que vier além disso depende de uma relação pessoal que nada tem a ver com a comunidade animal tomada em bloco. Estamos falando de um animal, não do Animal.
Nesse sentido, é reconfortante ler artigos de vegetarianos inteligentes como o de Taylor Clark da Slate: Vegetarian myths, debunked. O título do artigo, porém, não faz o menor sentido. Antes pelo contrário, Clark mostra que os 'mitos' não são mitos, que eles existem mesmo, mas que não se aplicam a ele em específico. Clark não perderia tempo dizendo que gosta de bacon ou que não revira os olhos ao avistar um prato de carne se isso não fosse de alguma maneira notável. Acho inclusive que a maioria dos vegetarianos pensa como ele. Mas, convenhamos: daqueles que não pensam assim, quantos são vegetarianos? Alguém já viu um não-vegetariano dizendo que um hambúrguer de carne é nojento?
A verdade é que nós fazemos parte de vários pequenos grupos e é impossível responder por todos os nossos colegas. Imaginem se eu tivesse de justificar toda besteira cometida por um cristão, cearense, estudante de engenharia ou ouvinte de rock! Infelizmente, muitas vezes ocorre (e muitas vezes não é fácil evitá-lo) de você cair num grupo em que a idiotia predomina ou pelo menos tem voz forte. A idiotia pode até não predominar entre vegetarianos, mas o 'discurso' oficial do vegetarianismo é idiota. E esse discurso, nem adianta espernear, não foi construído por carnívoros implicantes; ele vem de dentro.
A parte do artigo de Clark que mais reflete essa idiotia é aquela em que ele diz estranhar a desfaçatez dos que comem carne suína e ainda assim paparicam seus bichos de estimação. Haveria aí uma incompatibilidade inarredável, uma hipocrisia típica dos que não pararam 5 minutos pra pensar no que fazem. Essa idéia parte de um sentimento louvável: o de benevolência. Também acho que os animais devem ser tratados com benevolência. Aliás, é o mesmo que Platão dizia, com a diferença de que ele incluía escravos entre os animais. A divergência começa precisamente aqui: eu acredito que seja possível comer carne (ou até caçar) sem deixar de ser benevolente com os animais; Stanley Clark vê uma dose de crueldade em cada McLanche Feliz, ainda que seja uma crueldade diluída em displicência.
O argumento pela belevolência com animais não é bem de ordem ética: como poderíamos falar em ética em relação a seres que não fazem idéia do que isso seja, que, mais, não fazem idéia nenhuma? Nesse momento algum ativista lembra que tirar proveito dos animais é duplamente cruel exatamente por isso. Se estendemos essa lógica às plantas, mais indefesas ainda, ouvimos que as plantas não sentem dor. Se perguntamos se não haveria problema em matar um porco anestesiado, ouvimos que os animais são diferentes das plantas. Ora, isso é bem verdade! Então por que não reconhecer que animais (irracionais) e seres humanos são diferentes também?
Não acho que seja necessário falar em cristianismo (alma, inteligência divina etc.) pra que essa diferença fique bem clara. O fato é que o porco tem uma existência meramente instintiva: ele não pretende emagrecer pra conquistar uma porquinha no chiqueiro vizinho, ele não faz planos que não estejam direcionados à satisfação de uma necessidade imediata. A existência de um porco está inteiramente projetada sobre o agora, é como um ponto sobre a linha dos tempos. Um acidente ou uma morte repentina não vai nem pode frustrar nada porque não havia nada pra ser frustrado; o sofrimento de seus companheiros é também instintivo e nem sequer existiria se fosse de alguma maneira prejudicial à espécie.
A maneira com que os ativistas à Peter Singer falam guarda uma similitude meio sinistra com a tal heartlessness of ideas: estima-se o conceito de humanidade em vez de se estimar o homem concreto; estima-se a comunidade animal em vez de se estimar animais específicos. É claro que Clark está a anos-luz de distância de um Singer, mas é esse raciocínio que o faz estranhar eu gostar de animais e ainda assim não ver problemas em comer carne. O pressuposto é o de que, por ambos pertencerem à comunidade animal, ambos merecem a mesma atenção. Ora, a atenção que qualquer animal merece é, pelo menos, a mínima necessária para que não sofra inutilmente. O que vier além disso depende de uma relação pessoal que nada tem a ver com a comunidade animal tomada em bloco. Estamos falando de um animal, não do Animal.
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